Ceará dobra número de transplantes de órgãos em dez anos
De 2009
até o ano passado, quantidade de procedimentos efetivados no Estado saltou de
760 para mais de 1,5 mil, chegando a ter um pico de 1,8 mil em 2016. Neste ano,
757 pacientes já receberam novos órgãos
Uma
"doação de vida, de amor, de tudo". Assim a professora Verônica de
Souza, 62, define o ato da cunhada, a pensionista Aurília Maria Vidal, 64,
quando esta se prontificou a doar àquela um dos rins. A benevolência criou um
laço permanente: ambas se definem, agora, como "irmãs de rim". É
justamente a generosidade e o acesso à informação que têm feito aumentar a
quantidade de doadores e de transplantes no Ceará: de 2009 a 2018, o número
cresceu mais de 100%, conforme dados da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa).
Há uma
década, foram concretizados no Estado 760 procedimentos, incluindo vários
órgãos, como rim, fígado e córneas, por exemplo. O total avançou gradativamente
até 2016, quando houve um pico de transplantes: naquele ano, foram realizadas
1.874 cirurgias deste tipo. De lá para cá, houve queda, mas a quantidade se
mantém mais que dobrada em relação a 2009: ano passado, foram 1.535
transplantes concretizados, 101% a mais que há dez anos.
Para a
coordenadora da Central de Transplantes do Ceará, Eliana Barbosa de Almeida, a
vocação solidária do cearense é um dos principais fatores para o crescimento.
"Os transplantes ocorreram porque as famílias deram 'sim' para a doação.
Além disso, o investimento do Governo do Estado na política de transplante, o
desempenho de vários profissionais de saúde e a mobilização das associações de
pacientes, com testemunhos de sobrevida, também contribuem para esse
aumento", afirma.
Espera
Na
história entre Verônica e Aurília, o que contou mesmo foi o amor. "Além de
cunhada, também somos comadres, sou madrinha dos filhos dela. Acompanhei todo o
sofrimento da Vevé. Quando soube que só o transplante resolveria o problema,
pensei que a fila de espera seria uma loteria, e me ofereci pra fazer os
exames. Foi um sucesso", relembra Aurília. Ou "Lila", como é
carinhosamente chamada por Verônica.
A
professora precisou recorrer ao transplante devido a complicações após uma
histerectomia, cirurgia para retirada total ou parcial do útero: em 24h, uma
infecção paralisou fígado, pulmão e rins, e ela chegou a ser desenganada pelos
médicos. Depois de anos de hemodiálise e tratamentos dolorosos, foi constatada
a necessidade de transplante. "A compatibilidade entre mim e ela foi maior
do que se fosse consanguínea: 50%. Em 2004, depois de oito meses de muitos
exames, demos entrada no hospital e fizemos o transplante. Abaixo de Deus, a
Lila salvou minha vida. Foi o anjo que Ele enviou à minha vida pra me
salvar", emociona-se Verônica.
Nem todos,
porém, têm a sorte de uma doação "em casa". Até 21 de agosto deste
ano, segundo a Sesa, dos 1.004 pacientes que aguardam por um novo órgão no
Ceará, 793 estavam à espera de um rim. Os demais se dividem entre fígado (162),
coração (16), medula óssea (12), córnea (9), pâncreas/rim (8), pulmão (3) e
pâncreas isolado (1). De acordo com dados do Ministério da Saúde (MS)
referentes a uma semana antes, dia 14, a fila é maior: 1.299 pacientes estavam
à espera de transplante.
Doações
Por ser
referência na área, o Estado recebe pacientes de vários pontos do Brasil em
busca de realizar procedimentos. Conforme o MS, os estados que mais procuraram
o Ceará para transplantes foram Pará (coração, fígado e rim), Amazonas, Rio
Grande do Norte, Piauí, Maranhão (fígado e rim) e Sergipe (fígado). Se
considerada a proporção por milhão de habitantes, no primeiro semestre deste
ano, o Ceará foi o segundo do País que mais realizou transplantes de fígado, o
terceiro em pulmão e coração, o quarto em córnea, o sétimo em rim pâncreas/rim
e o nono em medula óssea.
A
excelência, porém, depende ainda dos doadores. Entre 2014 e 2018, a quantidade de
pessoas ou famílias cearenses que doaram órgãos oscilou: naquele ano, foram 220
doadores efetivos, número que caiu para 206 no ano passado. Já em 2019, até
junho, o total era de 122 doações concretizadas. Em doação efetiva, o Ceará
ocupa o 3º lugar do País, acima da média nacional.
De acordo
com a coordenadora de transplantes da Sesa, a desinformação ainda é um entrave
para aumentar o número de doadores. "As famílias dizem 'não' devido ao
desconhecimento das etapas do processo. No geral, é a falta de informação
correta. É nisso que trabalhamos, na educação. Não só para as famílias e
doadores, mas para os profissionais da saúde, porque são eles que identificam
potenciais doadores e precisam comunicar de maneira adequada aos familiares
sobre a morte. A partir disso, é preciso acolher a família e fazer a abordagem
adequada", reforça Eliana Barbosa.
Campanha
Em 2018,
dos 516 potenciais doadores, 116 tiveram a doação recusada pelas famílias, e
outros 194 não doaram por questões médicas: os 206 restantes se tornaram
doadores efetivos, ou seja, os órgãos foram destinados a salvar vidas. Já neste
ano, a tendência se repete: até março, conforme dados da Associação Brasileira
de Transplantes de Órgãos (ABTO), foram notificados 139 potenciais doadores no
Ceará, dos quais apenas 69 se converteram em doações efetivas.
Para
Verônica, a atitude de Aurília foi decisiva, como a própria doadora do rim
conclui. "Se eu não tivesse doado, ela poderia não ter tido todas as
felicidades que teve. Não ter visto a formatura e o casamento dos filhos e não
estar esperando pra ser vovó", afirma a irmã de rim.
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